Entrevista com João Gianesi Netto
Entrevista com João Gianesi Netto, presidente da Associação Brasileira de Resíduos Sólidos e Limpeza Pública (ABLP)
1 – Como está a situação dos municípios brasileiros quanto à gestão dos Resíduos Sólidos Urbanos (RSU), incluso no Marco Legal do Saneamento como fundamental para universalizar o atendimento ao setor no país?
Infelizmente, nestes dois anos de vigência da Lei 14.026, que abrange os setores de Água/Esgoto/Resíduos Sólidos e Drenagem Urbana, a situação da maioria dos municípios brasileiros, no que se refere aos RSU, permanece quase imutável. Entendo que o setor de água/esgoto deverá deslanchar mais rapidamente do que os resíduos Sólidos. Temos uma preocupação no que está ocorrendo em centenas de municípios, principalmente nas regiões Norte e Nordeste, onde prefeitos e vereadores não estão interpretando corretamente o teor de sustentabilidade econômica prevista na lei do Marco Legal de Saneamento, atrasando a cobrança para o manejo de resíduos, o que prejudica a sustentabilidade econômica dos serviços.
2 – A questão da geração e o manejo dos resíduos sólidos urbanos são de responsabilidade de todos quanto à sua quantidade e sua disposição adequados?
Desde a promulgação da Lei do Saneamento básico, em 2007, ficou bem definido que o ‘gerador’, público ou privado, é o único responsável pelo manejo dos resíduos,sendo a ele imputado os deveres de custear esses serviços, compilados desde a coleta/transporte e a destinaçãoadequada dos mesmos.
É importante esclarecer que o ‘gerador’ é o responsável pelo pagamento destes serviços, tais como ele paga água e esgoto, energia elétrica, gás e telefonia, por exemplo. Entretanto, os demais serviços de limpeza urbana, como a varrição, podas de jardins, limpezas de praças, monumentos e outros são de responsabilidade da prefeitura e somente estes serviços é que efetivamentedeveriam ser cobrados dos munícipes por meio de IPTU
3 – O Marco Legal do Saneamento estimula investimentos na gestão adequada dos RSU?
Estimula muito, pois, uma vez consolidados os pagamentos dos serviços pelos geradores, por meio detarifas ou taxas, a sustentabilidade econômica dos serviços fica consagrada. Com isto, as prefeituras têm a obrigação de executar ou contratar os serviços de manejo de resíduos com a destinação adequada dos resíduos.
4 – O senhor afirmou que o Estado de Rondônia lhe surpreendeu duplamente no manejo dos resíduos: de modo negativo na capital Porto Velho, mas de forma muito positiva no interior do Estado. Nos fale sobre essa visão.
Numa conversa com o senhor Allan Miller (diretor Executivo da MFM soluções Ambientais), eu resolvi pesquisar mais sobre Rondônia. Então, observei que, aforaa capital (Porto Velho), a questão do manejo dos RSU no Estado está praticamente resolvida. Nossa preocupação é mesmo com a vergonhosa situação de Porto Velho, que insiste em dispor o lixo urbano em lixão a céu aberto.
5 – Como o senhor vê o esforço de empresas em ofertar serviços na gestão do lixo urbano, como é o caso deRondônia?
Vejo com bastante otimismo a oferta da MFM, em propiciar não só aos variados municípios do Estado, mas também abrir espaço para o recebimento de RSU de cidades da região Oeste do vizinho do Mato Grosso.
Lembremos do que ocorreu nos Estados Unidos, que efetivamente pratica a regionalização da destinaçãoadequada de resíduos. Atualmente, a destinação de 19 mil municípios americanos é concentrada em torno de 1.300 aterros sanitários, onde a maioria tem excelência de qualidade, com recuperação do biogás e gerando energia elétrica, o que a MFM aqui tem projeto para fazer.
6 – A erradicação de lixões não basta. O que fazer para promover a recuperação de áreas degradadas?
Algumas pessoas pensam que erradicar os lixões é simplesmente “fechar o cadeado da porteira”. Na realidade, os lixões não têm fronteiras e nem porteiras, porém, quando se pensa em erradicar os lixões, o assuntotem que ser levado em conta com outra visão. A primeira responsabilidade do município é efetivar a destinação adequada em um empreendimento ambientalmentelicenciado, normalmente instalado em outro município vizinho. A segunda, de cunho social, é com os “invisíveis da sociedade do município”, que são os verdadeiros catadores de lixo, sendo a prefeitura a única responsável pela presença destas pessoas, pois, ao instante que utiliza de um lixão para a destinação dos resíduos dos municípios, é ela, a prefeitura, que fomenta a chegada destes humildes trabalhadores no local. Assim, um programa social deve ser desenvolvido para que tenhamum trabalho digno incentivado pela municipalidade.
Só aí é que começa o longo e custoso planejamento para a recuperação da área degradada.
7 – O custo de recuperação de áreas de lixões é muitoalto?
Para o leitor avaliar o que representa um lixão na cidade e seus impactos, observemos estudos realizados nos Estados Unidos que nos conduzem ao informativo de que o custo de recuperação de uma área degradada é da ordem de US$ 600 (R$ 3 mil) por tonelada de RSU disposta inadequadamente. Ao analisarmos estes números, percebemos que a conta que foi ‘zero’, por muitos anos, irá custar muito caro para os munícipes.
8 – Qual é o papel da reciclagem e dos catadores de recicláveis no processo de manejo dos RSU?
A sociedade não pode conviver sem um planejamentomunicipal para a reciclagem. As capitais de estados emunicípios de grande porte estão aumentando e incentivando a reciclagem, com a implantação da coleta seletiva.
Porém, ressalta-se que na média os índices brasileiros de reciclagem ainda são baixos. Neste contexto, entra a importante presença dos catadores, que neste momento de retração de empregos estão presentes em todos municípios brasileiros em busca de alguma receita financeira para seu sustento. Pessoalmente, desde a promulgação da PNRS, faltou vocação governamental ou planejamento para acriação de polos para fomentar a indústria recicladora. Os maiores desafios para o desenvolvimento da reciclagem são os custos de transporte dos materiais reciclados para os centros de produção.
Essa entrevista faz parte da Revista MFM Soluções Ambientais Edição 3- ANO 3 – Maio/2022